Entenda como a assistência baseada em evidências e no respeito à fisiologia do parto pode salvar vidas. A dificuldade persistente em reduzir as mortes maternas no mundo tem fortalecido o movimento global pela Reforma Obstétrica. No Brasil, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo) se uniram a diversas organizações de mulheres e profissionais de saúde para endossar um manifesto que pede a reformulação urgente do modelo assistencial ao parto.
Segundo a enfermeira obstétrica Tatiana Melo, chefe do Departamento de Gestão do Exercício Profissional do Cofen, a Reforma Obstétrica surge como resposta ao modelo médico-centrado e altamente intervencionista ainda predominante:
“O movimento da Reforma Obstétrica está nascendo em vários países, inclusive no Brasil, principalmente devido à dificuldade em reduzir a mortalidade materna. Propomos uma assistência centrada na fisiologia do parto, baseada nas melhores evidências científicas e no trabalho multiprofissional”, destaca Tatiana.
O impacto pode ser enorme: segundo o Relatório Mundial da Obstetrícia do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA/ONU), o fortalecimento da enfermagem obstétrica pode salvar 4,3 milhões de vidas por ano até 2035, melhorando significativamente os indicadores materno-infantis.
A Urgência da Mudança: Centro na Mulher e Não no Procedimento
Heloísa Lessa, integrante da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde da Mulher do Cofen, ressalta que o manifesto “Reforma Obstétrica no Brasil Já” traduz o consenso crescente sobre a necessidade de repensar o modelo de assistência e formação na saúde materna:
“Não se trata apenas de aumentar o número de enfermeiros obstetras, mas de transformar o cuidado para ser verdadeiramente centrado na mulher, acompanhando suas necessidades do pré-natal ao pós-parto”, explica Heloísa.
Ela reforça ainda que, para prevenir as principais causas de mortalidade materna — síndromes hipertensivas, hemorragias, infecções puerperais e abortos inseguros —, é essencial que a equipe de saúde, especialmente na Atenção Primária, esteja preparada para agir rapidamente.
“A Enfermagem tem um papel essencial na prevenção, identificação precoce e no manejo oportuno dessas condições, reduzindo riscos e salvando vidas”, enfatiza Heloísa, doutora em Enfermagem Obstétrica e Embaixadora dos Direitos Humanos no Parto pela Human Rights in Childbirth.
A Realidade Atual: Enfermagem Obstétrica Ganha Espaço no Brasil
Apesar dos desafios, a assistência de enfermeiras obstétricas já é uma realidade crescente. Dados do Sistema de Nascidos Vivos (SINASC/Ministério da Saúde) mostram que, em 2024, três em cada dez partos normais no Brasil foram assistidos por enfermeiras obstétricas.
O protagonismo é ainda maior nas capitais:
- São Paulo: 53,7% dos partos normais foram assistidos por enfermeiras;
- Goiânia: 52,9%;
- Fortaleza: 51,3%.
Esses índices mostram um salto importante em comparação com 2019, quando a presença de enfermeiras obstétricas era significativamente menor.
A atuação dessas profissionais está associada a melhores desfechos maternos e neonatais, principalmente pela redução das intervenções desnecessárias. No entanto, o Brasil ainda enfrenta altas taxas de cesarianas: 57% dos partos, número que sobe para 82% na saúde suplementar, mesmo após diretrizes nacionais estabelecidas para conter a prática.
As cesarianas eletivas, especialmente as agendadas sem indicação clínica, aumentam os riscos tanto para o bebê quanto para a mulher, com maior incidência de prematuridade, sequelas neurológicas e pulmonares, hemorragias, infecções e lesões cirúrgicas.
Um estudo da revista Health Economics confirmou a associação entre cesarianas agendadas e piores desfechos neonatais, especialmente próximo a feriados como o Carnaval, evidenciando o impacto negativo de práticas não baseadas em evidência.
Dez Passos para Reduzir a Mortalidade Materna
O manifesto propõe a adoção dos Dez Passos do Cuidado Obstétrico para Redução da Morbimortalidade Materna:
- Realizar encontros de qualidade, focados nas necessidades individuais de cada mulher.
- Implementar ações de prevenção e identificação precoce de síndromes hipertensivas no pré-natal.
- Realizar triagem sistemática de infecções geniturinárias.
- Identificar precocemente sinais de gravidade clínica materna e tratar de forma imediata.
- Capacitar equipes periodicamente para reconhecer e atuar em urgências obstétricas.
- Reconhecer e tratar de forma adequada síndromes hipertensivas graves.
- Reconhecer e tratar infecções obstétricas de forma oportuna.
- Reconhecer e intervir em hemorragias durante gestação e puerpério.
- Reduzir as cesarianas desnecessárias, incentivando o parto fisiológico.
- Assegurar vigilância contínua e cuidados de qualidade no puerpério.
Essas ações são fundamentais para transformar a realidade da saúde materna no Brasil e salvar milhares de vidas.
O Papel da Enfermagem Obstétrica e a Importância do Registro de Especialidade
Para fortalecer ainda mais essa mudança, é essencial que os enfermeiros obstétricos e obstetrizes façam o registro de sua especialidade junto ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren). Esse registro é gratuito e fundamental para:
- Dimensionar políticas públicas específicas;
- Ampliar a cobertura dos serviços de Saúde Suplementar, onde as consultas de enfermagem obstétrica são obrigatórias desde 2021.
A assistência à gestante, a condução do trabalho de parto e a execução de partos normais sem distócia são atribuições previstas em lei para enfermeiros obstétricos, garantindo autonomia profissional conforme o artigo 11 da Lei nº 7.498/1986 e o artigo 9º do Decreto nº 94.406/1987.
Fortalecer a Enfermagem Obstétrica é investir na saúde das mulheres e de seus filhos — e, consequentemente, no futuro da nossa sociedade.
Fonte: Ascom/Cofen – Clara Fagundes